03/01/2013

O prémio

Fonte da imagem: AQUI.

Todos nós somos extensões de Deus,
levando a Sua luz e o Seu canto até aos lugares escuros
e vazios do nosso mundo.
Roberta L. Messner

          Já quase me estava a arrepender da promessa feita à Srª Saunders, a coordenadora da venda de caridade do Natal: “Quer oferecer o prémio para o sorteio de rifas deste ano, minha querida?” perguntou ela persuasivamente. “Nada como um maravilhoso prémio para atrair compradores a uma venda de caridade.”
           Apenas a três semanas do Natal, a tarefa ainda por concluir pesava-me na consciência como um ramo de árvore quebrado pelo frio. Queria fazer algo realmente especial, mas agora, na véspera da venda de caridade, sentada na mesa da cozinha, faltava-me a inspiração.

           Assim, o que fiz foi deslocar-me até ao sótão, à procura de uma dose súbita de criatividade. Agarrei num pinheirinho miniatura e em duas caixas de hipotéticos tesouros e arrastei-me de volta à cozinha. Talvez uma musiquinha da época me trouxesse o espírito festivo, pensei, enquanto agarrava numa cassete de Natal. Remexi minuciosamente uma caixa com uma etiqueta “Bonecas Velhas”. Dentro em pouco, dei por mim a cantar as palavras tão familiares “Joy to the world…”
           E olhei atentamente para a pilha de quase duas dúzias de bonecas que tinha adquirido há alguns anos numa feira de quinquilharias. Peguei numa boneca japonesa com um quimono azul-escuro; numa família nativa americana com um tipi de feltro castanho; numa boneca “Miss Liberdade” enfeitada de vermelho, branco e azul; e num quarteto de bonecas em trajes escandinavos.
          De repente, dentro de mim uma vozinha sugeriu: Faz uma árvore “Joy to the World”! Uma a uma, prendi com arame as bonecas aos ramos do pinheiro. E eles quase cederam com o peso de todas elas! Mas algumas bonecas estavam em bocados. Meticulosamente, recoloquei os seus braços e pernas com um par de pinças e alguns elásticos. Apesar dos meus esforços, uma boneca de cabelos pretos, olhos penetrantes e traje espanhol, estava sempre a desmembrar-se. Mas enquanto eu a segurava nas mãos para voltar a prender-lhe os membros pela terceira vez, pude sentir uma afinidade com as mulheres de todo o mundo que, tal como eu, precisam bem do espírito natalício para se recompor…
          Exatamente nessa altura a minha amiga Becky entrou porta adentro para ver os meus progressos. E eis-nos lançadas a todo o vapor no projeto! “Que tal usar algumas destas flores secas?” sugeriu Betsy apontando para o ramo de cristas-de-galo, gipsófilas e botõezinhos de rosa pendurado nas vigas do teto da cozinha. A seguir acrescentámos retalhinhos de fitas e rendas.
“O que vamos fazer com o espaço vazio no centro?” perguntou Betsy. Vasculhámos a casa em busca do toque final… um pequeno globo terrestre na minha secretária, coroado com um laço de veludo recuperado da coroa de flores pendurada sobre a minha lareira. Juntas, recuámos e sorrimos perante o nosso trabalho artesanal. “É a árvore mais bonita que já vi,” concluiu Betsy.
Na manhã seguinte, embalei cuidadosamente no carro a nossa árvore “Joy to the World.” Num impulso, corri a casa e agarrei numa extensão elétrica, num leitor de cassetes portátil e na cassete de “Joy to the World.”
          Quando cheguei à venda de caridade, todos estavam imbuídos do espírito da época. Uma senhora com um casaco castanho de cachemira bateu-me no ombro. “Esta árvore fazme lembrar todas as minhas viagens, disse, enquanto mexia a sua cidra com um pauzinho de canela. Uma artesã de avental andava a passear-se por perto. “ Vou encomendar uma destas árvores para a minha neta na Alemanha,” disse. Depois, a senhora das bolachinhas de gengibre juntou-se a nós: “Vou levar esta árvore para minha casa.”
          Dentro em pouco, a sala estava apinhada de compradores de olhar fixo na árvore que jamais seria duplicada. Momentos antes do sorteio, uma senhora minúscula de olhos cansados e com um casaco cinzento desbotado trocou cinquenta cêntimos por uma rifa. O cabelo asseadamente entrançado, enrolado e bem apertado num puxo, emoldurava uma face despojada de tudo, menos de determinação.
          “Viemos à cidade comprar comida para o gado e eu convenci o meu marido a parar aqui, “ disse. “Sobrou-nos algum dinheirito dos ovos para gastar.”
          Admirou os anjos de cetim, as compotas caseiras e um bolo de frutas com o formato de uma coroa de Natal. Foi então que descobriu a árvore. “Aquela árvore, as bonecas!” exclamou. “Toda a minha vida quis ter uma boneca! A única boneca que tive foi a que a minha mãe me fez de espigas de milho. Alguém vai ganhar todas aquelas bonecas?”, perguntou com um olhar longínquo.
Pus o leitor de cassetes a funcionar, e a melodia de “Joy to the World” encheu a sala. Todos os olhos – menos os dela – estavam agora postos na caixa das rifas, e na mão que iria retirar o número vencedor. De todo o lado da sala conseguia ouvir vozes diluídas. “Aquela árvore é minha…” “Não, é minha…”
          Mas aquela senhora nunca mais tirou os olhos da árvore. “O meu neto Willie vive a um passo de distância da nossa casa,” disse. “É muito esperto. Conseguia de certeza enumerar cada um dos países daquele mapa.”
          Veio por fim o anúncio longamente esperado: “O prémio do sorteio vai para o número 1153.” Dei uma olhadela às mãos ásperas que seguravam a rifa premiada e apertei os seus ombros magros.
          “Acabou de ganhar a árvore!” gritei.
          “Quer dizer que é a minha rifa? Nunca tive nada tão lindo!” As lágrimas corriam-lhe pelas faces engelhadas.
          Desliguei as luzes e enrolei o fio da extensão. “Também vou ganhar aquela caixa de música e o fio comprido?” perguntou ela. “Penso colocar a árvore na janela, mas só temos uma tomada na sala. Que jeito me dava aquela extensão extra!”
          “Claro… é Natal,” respondi.
          Uma carrinha de caixa aberta amarela e ferrugenta apareceu à nossa frente, e um homem de jardineiras e camisa de flanela axadrezada saltou lá de dentro. “Josie, mas o que é que tu arranjaste aqui?” berrou.
          “Olha, ganhei esta árvore!” Rapidamente, ele arranjou lugar para ela, afastando uma pá, umas correntes de pneus e alguns sacos de comida.
          Acenei um adeus enquanto a carrinha a desfazer-se desaparecia no céu daquele anoitecer em tons violeta. Na minha mente, eu já imaginava a árvore num lugar de honra, à janela de uma humilde e vagamente iluminada choupana, no coração das montanhas. As pessoas que ali viviam tinham mesmo sorte… Não eram viajantes do mundo, mas gente que trabalhava duro, felizes com aquilo que tinham. Um fumo negro iria provavelmente elevar-se da chaminé em direção ao cortante ar de dezembro enquanto a família se reunia em volta da árvore.
          “Olha, Avó, está aqui o Japão,” talvez dissesse o Willie, apontando para o globo terrestre que já tinha estado sobre a minha secretária. E Josie, ainda fascinada pela extensão elétrica, iria ligar as luzinhas cintilantes e a sua “caixa de música.”
          Ainda assim, acredito que nessa noite a verdadeira vencedora fui eu. Embora nunca mais tenha visto Josie, ela tinha-me ajudado a descobrir como levar a luz e a música até aos lugares mais escuros e despojados do nosso mundo.
Roberta L. Messner

Fonte:
Clube das Histórias

 

3 comentários:

  1. Ant obrigada pela sua visita lá no meu blog, vim aqui te conhecer, já estou te seguino segue lá o meu, te espero.
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    1. Obrigado, Lucimar!
      Tb já sou seguidor do "Estrela".
      Bom ano pra você!
      AP

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  2. Os educadores multiplicadores ficarão contentes em te conhecer.http://www.educadoresmultiplicadores.com.br/ ou clique no banner que está no blog.
    Seu ano será de muitas alegrias!

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